Juiz Federal da 3a Turma Recursal do Paraná. Doutor em Direito da Seguridade Social (USP). Coordenador da Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário da ESMAFE-PR. Presidente de Honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

STJ e aposentadoria especial: a exposição a ruídos e a não retroação da norma mais protetiva.

Questão relativa à possibilidade de reconhecimento de tempo especial por exposição ao agente ruído em nível inferior a 90dB no período compreendido entre 5.3.1997 e 18.11.2003, por força da aplicação retroativa do limite de 85dB estipulado pelo Decreto 4.882/2003 ao Anexo IV do Decreto 3.048/1999.

Já era de se esperar. 

Já era de se esperar mesmo. A Primeira Seção do STJ havia decidido que a norma mais protetiva quanto à caracterização da atividade especial por exposição a agente nocivo ruído deve ser orientada pela lei vigente ao tempo da prestação do serviço. Com efeito, quando do julgamento da Pet 9.059/DF, o STJ acolheu o Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado pelo INSS, ratificando o entendimento de que não é possível a aplicação retroativa do Decreto n. 4.882/2003. Em data de 14/05 último passado, o mesmo Colegiado reafirmou sua orientação, dando provimento a recurso do INSS, por maioria (5x3). O REsp 1.401.619, Rel. Min. Herman Benjamin, foi julgado de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia. Parece representar a palavra final do STJ sobre esse tema. 

Em minha opinião, com todo respeito que se deve à elevada compreensão do Tribunal Superior o entendimento segue  o que pode ser considerado uma aplicação às escuras do princípio tempus regit actum. Ora, se novos critérios reconhecem a ofensa à saúde do trabalhador a partir de determinado nível de exposição a ruído, são esses critérios últimos, pretensamente mais precisos em termos científicos, que merecem prevalecer, por uma singela questão de lógica. Essa aplicação às escuras do princípio tempus regit actum pode, ao extremo, gerar situação em que o trabalhador não tem reconhecida sua atividade como especial e, nada obstante, pode sofrer os danos em sua saúde pelo exercício de atividade insalubre.

A lei vigente ao tempo da prestação do serviço é a que deve disciplinar a qualificação da atividade, como sendo especial ou não, por exemplo. Mas, se uma legislação superveniente ao exercício da atividade passar a reconhecer a especialidade de uma determinada atividade ou a emprestar critérios mais favoráveis à sua caracterização, então, em função da índole protetiva do benefício de aposentadoria especial, essa legislação deverá retroagir, em nome de fundamentos como a segurança do trabalho e a saúde do trabalhador.

Em outras palavras, por força do princípio tempus regit actum, a atividade especial é, em regra, caracterizada pela lei vigente ao tempo da prestação do serviço. Mas, essa diretriz geral, como toda norma geral, comporta exceções.  Decisivamente: um ato normativo que define novos limites máximos de exposição da saúde do trabalhador, fundado presumivelmente em critérios científicos mais recentes, implica a superação do parâmetro menos protetivo da saúde e do meio ambiente até então adotado. Por consequência, com a entrada em vigor da nova legislação, a atividade até então qualificada como comum deve ser considerada ofensiva à saúde ou à integridade física, para fins de saída antecipada do trabalhador. Para tanto, tem-se como imprescindível a retroação da lei mais protetiva para alcançar as atividades desempenhadas em tempo anterior à sua vigência. E isso também por força do princípio constitucional da isonomia, pois não há sentido em dois trabalhadores exercerem atividade igualmente ofensiva à saúde e, no entanto, um deles não obter o direito à aposentadoria especial - que tem por objetivo a proteção da saúde do trabalhador, bem de dignidade fundamental - ao argumento de que exerceu a atividade ofensiva à saúde ao tempo em que a legislação era menos protetiva da saúde e do meio ambiente do trabalho[1]

Por sua relevância, esse tema configura um dos objetos tratados no primeiro volume do Curso de Direito Previdenciário, que escrevemos em coautoria com Prof. Daniel Machado da Rocha e que em breve será publicado pela Alteridade Editora (clique aqui para acesso às nossas obras).  

Em postagem anterior, sustentamos a possibilidade do reconhecimento retroativo da norma mais protetivo a partir de argumentação constitucional. Para acesso à postagem, clique aqui.    




[1]  Para robustecer nossa argumentação, invoca-se a orientação do STJ quanto à aplicação retroativa da aposentadoria especial para as atividades exercidas em tempo à legislação que introduziu tal prestação previdenciária no mundo jurídico. Essa linha hermenêutica, mutatis mutandis, é aplicável à problemática, senão vejamos:  "(...) IV- In casu, discute-se a possibilidade do reconhecimento do exercício de atividade especial em data anterior à legislação que teria trazido tal benefício ao mundo jurídico. V- Se de fato ocorreu a especialidade do tempo de serviço, com exercício em data anterior à legislação que criou a aposentadoria especial, é possível o reconhecimento da atividade especial em período anterior a legislação instituidora. VI- Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado, sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercido depois da Lei nº 3.807/60, desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal situação, porém em data anterior à lei de regência. VII- Ademais, o objetivo da norma restaria prejudicado pois tornaria a aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade mais célere do que a especial, vez que o segurado preencheria, com menor lapso de tempo, os requisitos para a obtenção da aposentadoria comum. VIII- Agravo Regimental improvido". (AgRg no REsp 1015694/RS, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, j. 16/12/2010, DJe 01/02/2011).

4 comentários:

  1. Lamentável. Mais uma vez o trabalhador, neste caso em especial, a sua saúde, é preterida por dogmas jurídicos insustentáveis constitucionalmente.

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  2. Inadmissível ,conviver numa exposição sonora em caráter habitual e permanente por
    8 horas a mais de 29 anos e aguardar um desfecho judicial contraditório a legislação
    trabalhista.E uma indigninacao profunda o trabalhador brasileiro ser condenado por
    um capricho do sistema previdenciário. Continuarei aguardando em prol aos ruidos

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  3. A decisão do STJ em contrariar a legislação trabalhista é vista como uma aberração
    pra quem está na ativa exposto a ruído por mais de 29 anos,aguardando este desfecho judicial.

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  4. Alguém sabe me dizer se existe um fundamento científico para a utilização do ruído de 90 dB(A) pelo Decreto 2.172/97 ? Houve estudo científico por parte do Ministério do Trablho ?

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