Já era de se esperar.
Já era de se esperar mesmo. A Primeira Seção do STJ havia decidido que a norma mais protetiva quanto à caracterização da atividade especial por exposição a agente nocivo ruído deve ser orientada pela lei vigente ao tempo da prestação do serviço. Com efeito, quando do julgamento da Pet 9.059/DF, o STJ acolheu o Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado pelo INSS, ratificando o entendimento de que não é possível a aplicação retroativa do Decreto n. 4.882/2003. Em data de 14/05 último passado, o mesmo Colegiado reafirmou sua orientação, dando provimento a recurso do INSS, por maioria (5x3). O REsp 1.401.619, Rel. Min. Herman Benjamin, foi julgado de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia. Parece representar a palavra final do STJ sobre esse tema.
Em minha opinião, com todo respeito que se deve à elevada compreensão do Tribunal Superior o entendimento segue o que pode ser considerado
uma aplicação às escuras do princípio tempus regit actum. Ora, se novos
critérios reconhecem a ofensa à saúde do trabalhador a partir de determinado
nível de exposição a ruído, são esses critérios últimos, pretensamente mais
precisos em termos científicos, que merecem prevalecer, por uma singela questão
de lógica. Essa aplicação às escuras do princípio tempus regit actum
pode, ao extremo, gerar situação em que o trabalhador não tem reconhecida sua
atividade como especial e, nada obstante, pode sofrer os danos em sua saúde
pelo exercício de atividade insalubre.
A lei
vigente ao tempo da prestação do serviço é a que deve disciplinar a
qualificação da atividade, como sendo especial ou não, por exemplo. Mas, se uma
legislação superveniente ao exercício da atividade passar a reconhecer a
especialidade de uma determinada atividade ou a emprestar critérios mais
favoráveis à sua caracterização, então, em função da índole protetiva do
benefício de aposentadoria especial, essa legislação deverá retroagir, em nome
de fundamentos como a segurança do trabalho e a saúde do trabalhador.
Em outras palavras, por força do princípio tempus regit actum, a atividade
especial é, em regra,
caracterizada pela lei vigente ao tempo da prestação do serviço. Mas, essa diretriz geral, como toda norma geral, comporta exceções.
Decisivamente: um ato normativo que define novos limites máximos de exposição
da saúde do trabalhador, fundado presumivelmente em critérios científicos mais
recentes, implica a superação do parâmetro menos protetivo da saúde e do meio
ambiente até então adotado. Por consequência, com a entrada em vigor da nova
legislação, a atividade até então qualificada como comum deve ser considerada
ofensiva à saúde ou à integridade física, para fins de saída antecipada do
trabalhador. Para tanto, tem-se como imprescindível a retroação da lei mais
protetiva para alcançar as atividades desempenhadas em tempo anterior à sua
vigência. E isso também por força do princípio constitucional da isonomia, pois
não há sentido em dois trabalhadores exercerem atividade igualmente ofensiva à
saúde e, no entanto, um deles não obter o direito à aposentadoria especial -
que tem por objetivo a proteção da saúde do trabalhador, bem de dignidade
fundamental - ao argumento de que exerceu a atividade ofensiva à saúde ao tempo
em que a legislação era menos protetiva da saúde e do meio ambiente do trabalho[1]
Por sua relevância, esse tema configura um dos objetos tratados no primeiro volume do Curso de Direito Previdenciário, que escrevemos em coautoria com Prof. Daniel Machado da Rocha e que em breve será publicado pela Alteridade Editora (clique aqui para acesso às nossas obras).
Em postagem anterior, sustentamos a possibilidade do reconhecimento retroativo da norma mais protetivo a partir de argumentação constitucional. Para acesso à postagem, clique aqui.
[1] Para robustecer
nossa argumentação, invoca-se a orientação do STJ quanto à
aplicação retroativa da aposentadoria especial para as atividades exercidas em
tempo à legislação que introduziu tal prestação previdenciária no mundo jurídico.
Essa linha hermenêutica, mutatis mutandis, é aplicável à problemática,
senão vejamos: "(...) IV- In casu,
discute-se a possibilidade do reconhecimento do exercício de atividade especial
em data anterior à legislação que teria trazido tal benefício ao mundo
jurídico. V- Se de fato ocorreu a especialidade do tempo de serviço, com exercício
em data anterior à legislação que criou a aposentadoria especial, é possível o
reconhecimento da atividade especial em período anterior a legislação
instituidora. VI- Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado,
sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria
especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercido depois da Lei nº 3.807/60,
desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal
situação, porém em data anterior à lei de regência. VII- Ademais, o objetivo da
norma restaria prejudicado pois tornaria a aposentadoria por tempo de
contribuição ou por idade mais célere do que a especial, vez que o segurado
preencheria, com menor lapso de tempo, os requisitos para a obtenção da
aposentadoria comum. VIII- Agravo Regimental improvido". (AgRg no REsp
1015694/RS, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, j. 16/12/2010,
DJe 01/02/2011).
Lamentável. Mais uma vez o trabalhador, neste caso em especial, a sua saúde, é preterida por dogmas jurídicos insustentáveis constitucionalmente.
ResponderExcluirInadmissível ,conviver numa exposição sonora em caráter habitual e permanente por
ResponderExcluir8 horas a mais de 29 anos e aguardar um desfecho judicial contraditório a legislação
trabalhista.E uma indigninacao profunda o trabalhador brasileiro ser condenado por
um capricho do sistema previdenciário. Continuarei aguardando em prol aos ruidos
A decisão do STJ em contrariar a legislação trabalhista é vista como uma aberração
ResponderExcluirpra quem está na ativa exposto a ruído por mais de 29 anos,aguardando este desfecho judicial.
Alguém sabe me dizer se existe um fundamento científico para a utilização do ruído de 90 dB(A) pelo Decreto 2.172/97 ? Houve estudo científico por parte do Ministério do Trablho ?
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