Juiz Federal da 3a Turma Recursal do Paraná. Doutor em Direito da Seguridade Social (USP). Coordenador da Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário da ESMAFE-PR. Presidente de Honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Substituição de benefício para adequação da proteção previdenciária

Para a comunidade jurídica e demais interessados no estudo dos direitos sociais, divulga-se decisão da 3a Turma Recursal do Paraná, que reconheceu o direito à aposentadoria por invalidez com acréscimo de 25% a segurado já aposentado por tempo de contribuição que continuava em atividade. A tese da substituição do benefício, que não se confunde com a 
teoria da desaposentação, já era por nós sustentada no artigo "O princípio Constitucional da Adequada Proteção Social Previdenciária: um novo horizonte de segurança social ao segurado aposentado". Revista de Previdência Social, v. 326, p. 05-16, 2008. A ementa do julgado ficou assim publicada:    

DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PRINCÍPIOS DA UNIVERSALIDADE DA SEGURIDADE SOCIAL E DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE. PRECEDENTE DO STF. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACRÉSCIMO DE 25%. DIREITO DO SEGURADO APOSENTADO À SUBSTITIUÇÃO DO BENEFÍCIO.

1. A universalidade da proteção social (CF/88, art. 194, I), enquanto objetivo fundamental desta política social, não pode ser iludida por norma infraconstitucional que culmine por proteger insuficientemente o direito fundamental aos meios de subsistência em situação de adversidade.

2. O princípio da proibição de proteção insuficiente assegura que o direito fundamental social prestacional não pode ser iludido pelo Poder Público, quer mediante a omissão do dever de implementar as políticas públicas necessárias à satisfação desses direitos, quer mediante a adoção de política pública inadequada ou insuficiente (Precedente do STF na Reclamação 4.374, j. 19/11/2013).
3. É preciso interpretar a legislação ordinária de modo a evitar-se que o direito fundamental social seja esvaziado em determinadas circunstâncias e culmine, como no caso, por não guardar possibilidade de prover ao segurado os recursos materiais necessários para assegurar-lhe o mínimo existencial.
4. Se o segurado aposentado mantém a qualidade de segurado e cumpriu período de carência sabidamente superior ao exigido para a concessão de um benefício por incapacidade, ele fará jus à adequação previdenciária na hipótese de superveniência dos requisitos específicos às prestações por incapacidade.
5. É devida a substituição de aposentadoria espontânea por aposentadoria por invalidez com acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento), desde que comprovada a superveniente incapacidade para o trabalho e a necessidade de assistência permanente de outra pessoa (Lei 8.213/91, art. 42 c/c art. 45).
ACORDAM os Juízes da 3ª TURMA RECURSAL DO PARANÁ, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do(a) Relator(a) (Recurso Inominado 5005574-30.2011.404.7001, Terceira Turma Recursal do PR, Relator José Antonio Savaris, j. 04/09/2013). 

Confira a íntegra da decisão: 


RECURSO CÍVEL Nº 5005574-30.2011.404.7001/PR

RELATOR
:
JOSÉ ANTONIO SAVARIS
RECORRENTE
:
SEBASTIAO VIEIRA
ADVOGADO
:
MARLY APARECIDA PEREIRA FAGUNDES
RECORRIDO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS















VOTO












Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido de conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria por invalidez, com o acréscimo de 25% previsto no 45 da Lei nº 8.213/91.
A decisão recorrida não acolheu a pretensão orientada na inicial ao fundamento de que a incapacidade do autor - 76 anos, aposentado desde 1995, portador de hipertensão arterial sistêmica, cardiopatia hipertensiva com insuficiência cardíaca, fibrilação atrial crônica, sequela de acidente vascular cerebral hemorrágico e epilepsia - sobreveio apenas em 2005, ocasião em que o autor já recebia proteção previdenciária há mais de 17 anos.

Isto porque o juízo de origem entendeu se tratar de pedido de desaposentação, esclarecendo que, como no momento da concessão de aposentadoria por tempo de contribuição o autor ainda não estava incapaz, não faria jus à substituição do benefício pela aposentadoria por invalidez.

Destacou o magistrado que em razão dos imperativos de justiça, da proteção constitucional ao ato jurídico perfeito e do princípio da solidariedade, as contribuições recolhidas em razão de vínculo empregatício iniciado quando o autor já era aposentado pelo RGPS não ensejariam a concessão de nova aposentadoria ou mesmo a conversão em outro benefício.
Em razões recursais, o autor sustenta que não haveria óbice ao direito de renúncia da aposentadoria já concedida, para fins de obtenção de um benefício mais vantajoso, argumentando que por se tratar de direito patrimonial disponível independeria da aceitação do INSS. Argumenta, assim, que "as garantias constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito existem em favor do cidadão", pugnando pela concessão de aposentadoria por invalidez desde a DER, em 06/03/1995.
Assiste parcial razão à parte recorrente. 
Mesmo após a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição em 1995, o autor continuou a trabalhar, mantendo vínculo empregatício no período de 01/06/1998 a 25/10/2004 (CNIS3, evento 22).

Para verificar a condição laborativa, foi determinada a realização de prova pericial, a qual confirmou a existência de incapacidade total e permanente desde 27/08/2005, data em que o autor sofreu acidente vascular cerebral. Esclareceu o perito que o autor necessita da ajuda permanente de terceiros, explicando que depende de outras pessoas para atividades do cotidiano, como tomar banho e se higienizar (LAU1, evento 12)

Portanto, após a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, o autor tornou-se incapacitado para o trabalho e necessitado da assistência de outra pessoa, circunstância que autoriza a concessão de aposentadoria por invalidez com o adicional de 25 % previsto no art. 45 da Lei 8.213/91.

1. O princípio constitucional da proibição da proteção insuficiente

A universalidade da proteção social (CF/88, art. 194, I), enquanto objetivo fundamental desta política social, não pode ser iludida por norma infra-constitucional que culmine por proteger insuficientemente o direito fundamental aos meios de subsistência em situação de adversidade.

Se a política pública de proteção social protege insuficientemente o direito fundamental, torna-se necessária a intervenção judicial com vistas à sua correção, de modo a assegurar ao indivíduo os recursos necessários para sua existência digna em sociedade.

É elementar que uma política social destinada a garantir condições dignas de subsistência à pessoa atingida por determinada contingência adversa deve orientar-se pelo critério da abolição de todas as formas de privação de recursos para subsistência

Se uma contingência social, como a incapacidade para o trabalho, por exemplo, transforma-se em fator com potencialidade para suprimir da pessoa as condições de obter recursos a partir de seus esforços pessoais, a imediata compensação social se justifica em nome da preservação da vida humana e com vistas à promoção da autonomia pessoal, elementos constitutivos da dignidade humana.

Quando o direito fundamental aos meios de subsistência em situação de adversidade encontra-se esvaziado porque o sistema normativo oferece proteção insuficiente a este direito fundamental, restam violados o princípio da proibição da proteção insuficiente e o princípio da universalidade da proteção humana contra riscos sociais.

O princípio da proibição de proteção insuficiente - (Untermassverbot) é ainda pouco explorado pela dogmática constitucional, especialmente no que concerne aos direitos fundamentais sociais.

O princípio da proibição de proteção insuficiente assegura que o direito fundamental social prestacional não pode ser iludido pelo Poder Público, quer mediante a omissão do dever de implementar as políticas públicas necessárias à satisfação desses direitos, quer mediante a adoção de política pública inadequada ou insuficiente.

Quando do julgamento da Reclamação 4374 (j. 19/04/2013), tendo como tema a análise do critério econômico para a concessão do benefício assistencial, O Supremo Tribunal Federal expressamente reconheceu a eficácia normativa do princípio da proibição da proteção deficiente, com seus corolários de orientação na aplicação judicial do direito com vistas a assegurar a proteção do direito fundamental. Colhe-se do voto do eminente Relator Ministro Gilmar Mendes, neste sentido:

"Além de uma dimensão subjetiva, portanto, esse direito fundamental também possui uma complementar dimensão objetiva. Nessa dimensão objetiva, o direito fundamental à assistência social assume o importante papel de norma constitucional vinculante para o Estado, especificamente, para os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Ela assim impõe ao Legislador um dever constitucional de legislar, o qual deve ser cumprido de forma adequada, segundo os termos do comando normativo previsto no inciso V do art. 203 da Constituição. O não cumprimento total ou parcial desse dever constitucional de legislar gera, impreterivelmente, um estado de proteção insuficiente do direito fundamental. Destarte, como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot).
A violação, pelo legislador, dessa proibição de proteção insuficiente decorrente do direito fundamental gera um estado de omissão inconstitucional submetido ao controle do Supremo Tribunal Federal. Isso ocorre não exatamente em razão da ausência de legislação, ou tendo em vista eventual mora do legislador em regulamentar determinada norma constitucional, mas quando o legislador atua de forma insuficiente, isto é, edita uma lei que cumpre apenas de forma parcial o comando constitucional" (negritos no original).

Se, contudo, a técnica da interpretação conforme a Constituição permite compreender no sistema jurídico o atendimento suficiente do direito fundamental, reputa-se inexistente a omissão que seria inconstitucional, porque se alcança, no caso concreto, a tutela adequada ao direito fundamental.

É neste sentido que encaminho o presente voto.

2. A substituição de benefício e o direito a uma proteção previdenciária suficiente

No que se relaciona ao presente feito, o princípio constitucional da proibição da proteção insuficiente orienta, pelas razões que adiante serão articuladas, que a definição da proteção previdenciária devida ao segurado não deve ficar adstrita ao momento inicial de concessão de um benefício, como se neste momento se retirasse toda e qualquer obrigação da Administração Previdenciária sobre a sorte do segurado.

Uma cobertura previdenciária apenas "de partida" adequada não satisfaz as exigências do princípio constitucional da proibição da proteção insuficiente. A idéia de proteção suficiente, aliás, traz o pensamento de que a previdência social deve atuar se for verificada a necessidade, isto é, diante da ocorrência e permanência de uma contingência social. Alterando-se os fatos, a cobertura previdenciária deve ser adaptada (modulada), podendo cessar ou, ao contrário, ser intensificada.

É exatamente esse raciocínio que se encontra subjacente à lógica da concessão e manutenção dos benefícios por incapacidade. A concessão de um auxílio-doença é um ponto de partida para atuação de novos componentes na relação jurídica entre o segurado e o RGPS. Se antes imperava o dever do primeiro em contribuir e do último em oferecer cobertura previdenciária quando da ocorrência das contingências sociais, com a concessão do auxílio-doença surgem novos deveres ao segurado, como a sujeição a exames médicos periódicos, processo de reabilitação profissional e a tratamento médico gratuito, com exceção dos procedimentos enumerados por lei. De outra parte, novos deveres são impostos ao órgão gestor do RGPS, como o pagamento do benefício, realização de perícias periódicas para a verificação da persistência da incapacidade ou para estimativa de alta, encaminhamento do segurado à reabilitação profissional, concessão de aposentadoria por invalidez no caso de se verificar que a incapacidade é total e permanente, concessão de auxílio-acidente nas hipóteses em que devido e mesmo a cessação da prestação por incapacidade, na hipótese de se constatar a recuperação da capacidade laboral. Quanto mais intensamente necessite o segurado da cobertura previdenciária, maior deverá ser o grau de proteção previdenciária, por meio de mecanismos específicos e em valores suficientes. Assim também na hipótese de cessação da necessidade, deixa de existir razão para a persistência da atuação protetora, caso em que se justificará, por exemplo, a cessação de uma aposentadoria por invalidez ou de um auxílio-doença.

No âmbito da seguridade social há norma específica que tende a realizar a conformação da prestação previdenciária à contingência e nível de necessidade do servidor público federal aposentado pelo Regime Próprio: "o servidor aposentado com provento proporcional ao tempo de serviço, se acometido de qualquer das moléstias especificadas no art. 186, §1º, passará a perceber provento integral" (Lei 8.112/90, art. 190). Uma vez que a aposentadoria por invalidez é devida com proventos integrais apenas quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável (Lei 8.112/90, art. 186, I), compreende-se que a alteração de uma aposentadoria com proventos proporcionais em aposentadoria com proventos integrais somente tem sentido na hipótese referida pelo dispositivo de lei acima transcrito.

No universo do RGPS, uma específica irradiação legislativa do princípio da adequação previdenciária foi revogada pela Lei 9.032/95, que revogou os artigos 122 e 123 da Lei 8.213/91, na sua redação original, os quais traziam hipóteses de transformação de benefícios que vinham ao encontro do princípio da suficiente proteção previdenciária. Confira-se:

"Art. 122 - Ao segurado em gozo de aposentadoria especial, por idade ou por tempo de contribuição, que voltar a exercer atividade abrangida pelo Regime Geral da Previdência Social, será facultado, em caso de acidente do trabalho que acarrete a invalidez, optar pela transformação da aposentadoria comum em aposentadoria acidentária.

Parágrafo único - No caso de morte, será concedida a pensão acidentária quando mais vantajosa" (Revogado pela Lei 9.032/95).
"Art. 123 - O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social que, tendo ou não retornado à atividade, apresentar doença profissional ou do trabalho relacionada com as condições em que antes exercia a sua atividade, terá direito à transformação da sua aposentadoria em aposentadoria por invalidez acidentária, bem como ao pecúlio, desde que atendam as condições desses benefícios" (Revogado pela Lei 9.032/95).

De todo modo, a reforma legislativa em questão deve ser compreendida no contexto dos demais ajustes que emprestou à legislação previdenciária, pois a partir do momento em que a mesma Lei 9.032/95 determinou que os benefícios acidentários se sujeitariam aos critérios de cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários, a substituição da aposentadoria comum pela concessão de aposentadoria acidentária não mais se afiguraria relevante.

Mas atualmente se pode perceber um grande descompasso entre a sistemática de cálculo entre as aposentadorias espontâneas - destacadamente as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição - e as prestações por incapacidade. De fato, a substituição de uma aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria por invalidez deverá, via de regra, proporcionar uma cobertura previdenciária de mais elevado nível. Nas hipóteses em que a aposentadoria por idade é concedida no valor inferior a 100% do salário-de-benefício, também haverá maximização (para adequação da suficiência) da proteção previdenciária com a substituição deste benefício por aposentadoria por invalidez e a sempre possibilidade de concessão do acréscimo de 25% devido no caso de incapacidade severa.

Com essas considerações se pode notar que o legislador buscava atender a necessidade de se oferecer uma cobertura previdenciária suficiente mesmo após o momento da concessão de uma aposentadoria por idade, tempo de contribuição ou especial, arrefecendo em seu ânimo apenas na medida em que o grau de proteção previdenciária parecia caminhar para uma equivalência. Essa equivalência, na realidade, não ocorre e isso tornou-se ostensivo com a introdução obrigatória do fator previdenciário na mecânica de cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição (integral ou proporcional).

Aqui é preciso destacar que o princípio da suficiente proteção social é informado pelo princípio da prevalência do fim sobre o objeto. Como é de se concordar, as prestações previdenciárias estão impregnadas de uma idéia essencialmente finalista - provisão de meios suficientes para a manutenção digna do beneficiário - que preside necessariamente todo o desenvolvimento da relação jurídica previdenciária de proteção. O que se persegue com o benefício previdenciário é satisfazer da melhor maneira possível o interesse social de que o segurado ou o dependente da previdência social seja efetivamente resgatado de uma contingência que lhe ameaça a manutenção decente. Trata-se, antes de tudo, de conceder o benefício que demanda o interesse geral, nas condições que exijam a cada momento as necessidades individuais que a prestação previdenciária está chamada a cobrir. Se para conseguir estes fins, implícitos em uma prestação da previdência social, é necessário adaptá-la às novas necessidades, esta adaptação é obrigatória. A inalterabilidade do fim impõe ou pode impor a alteração parcial ou, melhor ainda, a adaptação do objeto.

Por isso é que se fala que o direito à proteção social suficiente, um dos fundamentos da seguridade social, não se extingue com a concessão da aposentadoria e não se limita a assegurar uma prestação da segurança social apenas "de partida" suficiente.

3. Direito do recorrente a uma suficiente proteção social (aposentadoria por invalidez, no caso).

Se a modulação da cobertura previdenciária após a concessão do benefício é bem percebida no que alude ao titular de uma prestação por incapacidade, como demonstrado acima, o mesmo não se pode dizer a respeito do segurado titular de uma aposentadoria espontânea (aposentadoria por idade, especial ou por tempo de contribuição). Nesse último caso, há uma situação altamente peculiar.

De fato, após a concessão de uma aposentadoria espontânea, a previdência social pretende entregar o segurado ao acaso da própria sorte, fazendo extinguir o direito à proteção previdenciária suficiente, mediante a concessão de um benefício que se traduz em uma cobertura previdenciária que se pretende insensível a qualquer fato superveniente que reclame grau mais elevado de proteção social.

O que se pretende sustentar é que, por força desse direito fundamental a uma previdência social adequada, faz-se devida, mesmo após a concessão de aposentadoria espontânea, a adequação da cobertura previdenciária no que toca ao mecanismo específico de proteção e ao nível da renda mensal. Para que seja legítima, a cobertura previdenciária deve passar a cada tempo pelo teste da adequação.

No caso dos autos, após a concessão de aposentadoria espontânea sobreveio ao segurado uma contingência social adversa que faz desencadear a proteção previdenciária por meio de aposentadoria por invalidez, benefício reputado prioritário em relação ao concedido originariamente. Por tal razão, ao recorrente assiste o direito à suficiente proteção previdenciária, mediante a substituição do benefício de que era titular pelo benefício previsto para a cobertura da contingência social de maior gravidade.

Com efeito, é devida a substituição da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria por invalidez, uma vez comprovado que o recorrente foi atingido, em tempo posterior à concessão de sua aposentadoria, por contingência fortuita, acidental, casual e que, ademais, tem aptidão para lhe minar totalmente a capacidade para o trabalho. Corolário da proteção social justa ou adequada, é igualmente devido o acréscimo à aposentadoria por invalidez, uma vez demonstrado que o recorrente se encontra inválido e depende de assistência permanente de outra pessoa.

Impõe-se, assim, a efetivação judicial da adequada proteção social, por força do direito a uma proteção previdenciária justa, adequada e suficiente.

Tem todo sentido invocar-se aqui o princípio constitucional da proibição da proteção insuficiente ao direito fundamental. É preciso interpretar a legislação ordinária de modo a evitar-se que o direito fundamental (à previdência social, no caso) seja iludido em determinadas circunstâncias e culmine, como no caso, não guardar possibilidade de assegurar o mínimo existencial.

O direito fundamental a uma proteção previdenciária suficiente não se extingue com a concessão de uma aposentadoria e é nestes termos que emerge o direito do recorrente à substituição do benefício de que é titular pela aposentadoria por invalidez com acréscimo de 25%.

É preciso destacar que o direito à proteção previdenciária suficiente ao segurado aposentado tem atuação expressamente assegurada pela própria Lei 8.213/91, quando dispõe que mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições, "sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício" (Art. 15, I). Se o segurado aposentado mantém a qualidade de segurado e cumpriu período de carência sabidamente superior ao exigido para a concessão de um benefício por incapacidade, na hipótese de superveniência dos requisitos específicos às prestações por incapacidade ele fará jus à adequação previdenciária, desde que realmente lhe seja mais favorável.

A concessão de uma aposentadoria espontânea certamente não deve importar a caducidade dos direitos inerentes à qualidade de segurado, previsão de tratamento dispensada ao indivíduo que perde esta condição (Lei 8.213/91, art. 102). Ora, o elementar direito inerente à qualidade de segurado é justamente o abrigo contra eventos casuais que têm potencialidade para subverter a normalidade com que se conduz a vida. Essas contingências, em que pesem individuais, jamais puderam ser prevenidas ou remediadas pelo indivíduo, salvo se compõe uma minoria privilegiada. Eis a razão de ser dos seguros sociais ainda no século XIX, muito antes da revolução beveridgiana com seu componente mais forte de solidariedade.

Como já se teve oportunidade de expressar acima, as prestações por incapacidade, porque urgentes, assumem destacada importância e guardam a ideia de serem impostergáveis, reclamando maior sensibilidade do sistema normativo no que toca às condições de acesso. Se a prioridade da previdência social é a garantia de meios suficientes de subsistência digna especialmente em face de eventos que diminuem ou eliminam a capacidade para o trabalho, a aplicação do direito no caso deve realizar-se de modo a não entregar o indivíduo à própria sorte (suae quisque fortuna faber est).

Esses seriam argumentos suficientes para se interpretar o art. 18, §2º, da Lei 8.213/91 no sentido de que nenhuma prestação da previdência social pode ser acumulada pelo segurado aposentado em decorrência do exercício de atividade após a concessão de aposentadoria, o que não estaria a impedir, de qualquer modo, sejam consideradas as contribuições previdenciárias para efeito de cálculo da renda mensal inicial da nova prestação.

É curioso, para dizer o pouco, sustentar que após a concessão de aposentadoria espontânea, a previdência social se veja desobrigada de modular a cobertura previdenciária em favor do segurado - que fica, assim, irremediavelmente exposto a uma situação de destituição que pode comprometer sua subsistência digna - , ao passo que são exigidas as contribuições sociais sobre o registro da remuneração obtida pelo segurado aposentado. Haveria uma iníqua parceria de conveniência: a exigência de contribuições incidentes sobre a remuneração obtida pelo exercício de atividade profissional sem a mínima atenção aos riscos de subsistência que ainda ameaçam o segurado aposentado, situação esta que pode advir do exercício dessa mesma atividade profissional.

Essa é uma posição que simplesmente não se sustenta diante de nosso senso de justiça e do princípio constitucional da suficiente proteção previdenciária. Ela malfere a solidariedade - como ela realmente deve ser compreendida -, vulnera a boa-fé e moralidade que se exige constitucionalmente da administração pública, despreza o princípio geral do direito de não enriquecimento sem causa, transforma a contribuição do segurado em imposto e, de quebra, transtorna o direito de igualdade e o dever de consideração social pelo trabalho.

Como se isso não fosse suficiente, uma interpretação que negue o direito ao benefício por incapacidade ao segurado aposentado estará frustrando a norma constitucional que dispõe que a previdência social atenderá a cobertura dos eventos de doença e invalidez (CF/88, art. 201, I), uma vez cumpridos os pressupostos estabelecidos pela Lei de Benefícios da Previdência Social (qualidade de segurado, carência e incapacidade).

Sendo assim, o recurso do autor deve ser parcialmente acolhido para reformar a sentença, reconhecendo o direito do autor à substituição do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 087.555.751-1) pela aposentadoria por invalidez (Lei 8.213/91, art. 42), com o adicional de 25 % (Lei 8.213/91, art. 45), previsto na Lei de Benefícios, a contar da data do requerimento administrativo de substituição do benefício, em 25/11/2010, quando já se faziam presentes os pressupostos autorizadores para a concessão de aposentadoria por invalidez. A RMI deverá ser calculada nos termos da lei, considerando os salários-de-contribuição vertidos pelo recorrente após a concessão de sua aposentadoria por tempo de serviço, observado o art. 29, II da Lei 8.213/91.

 CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS

É inaplicável a regra contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, porque os índices de remuneração da poupança são imprestáveis para refletir a variação do poder aquisitivo da moeda. Opera-se o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo controle difuso de constitucionalidade, com maior razão agora, com a orientação oferecida pelo STF, quando do julgamento das ADINs 4357 e 4425.

Por essa razão, os créditos previdenciários pagos judicialmente devem ser atualizados, desde quando se tornaram devidos, pelos mesmos índices utilizados para o reajustamento dos benefícios previdenciários, e acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, a contar da citação. Em outras palavras, deve ser desconsiderada, ex tunc, a sistemática de atualização monetária e remuneração pela mora oferecida pela Lei 11.960/2009 (art. 5º).

TUTELA DE URGÊNCIA

Comprovada a existência do direito e, de outro lado, sendo a urgência ínsita à natureza do benefício em questão, intime-se o INSS para que implante em favor do recorrente, no prazo de 20 dias, o benefício em questão, sob pena de multa diária de R$ 50,00 (cinquenta reais) por dia de atraso.

Sem honorários (Lei 9.099/95, art. 55, 2ª parte). 
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.























José Antonio Savaris
Juiz Federal Relator




5 comentários:

  1. Professor...espero sinceramente que este entendimento seja seguido por nosso judiciário. A lição é proferida com maestria...e esclarece clara e didaticamente que devemos perseguir a justiça social e por tabela, uma proteção previdenciária eficiente. Sucesso!

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  2. Para reflexão:
    1. "Regra da contrapartida" (CRFB, art. 195, § 5º: "Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total");
    2. Artigo 2º, inciso II, da Lei nº. 8.213/91;
    3. Aplicável o acréscimo de 25% também ao auxílio-doença, auxílio-acidente ou salário-maternidade (uma gravidez de altíssimo risco e/ou recém-nascido com seriíssimos problemas de saúde)? Mais: poderia ser aplicado às "prestações" "quanto ao dependente" (artigo 18, inciso II, da Lei nº. 8.213/91 - pensão por morte e auxílio-reclusão)?
    4. Poderia o Judiciário, em casos específicos, comprovada a necessidade extrema de "apoio permanente de cuidado" por mais de uma pessoa (por exemplo: equipe médica multidisciplinar e/ou dois ou mais enfermeiros e/ou cuidadores), majorar o valor para 35%? Ou 50%? Ou ainda mais do que isso?
    5. Qual o limite para o Judiciário?

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  3. parabens Dr. pela decisão e elo compartilhamento do vosso saber juridico que muito enriquece a comunidade, fique com deus.

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  4. Brilhante o texto eo acordao fique com deus

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  5. Boa noite, Doutor. Existem outros julgados de casos análogos que norteiam no mesmo sentido da tese brilhantemente explanada por V. Excelência?

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