Juiz Federal da 3a Turma Recursal do Paraná. Doutor em Direito da Seguridade Social (USP). Coordenador da Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário da ESMAFE-PR. Presidente de Honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Aposentadoria do Professor e Fator Previdenciário


No cálculo da aposentadoria do professor, somente deverá ser considerado o fator previdenciário para a apuração do salário-benefício se o resultado for mais favorável ao segurado. Neste sentido foi a decisão da Terceira Turma Recursal do Paraná, em recente julgamento, valendo-se da técnica a interpretação conforme. Segue abaixo a ementa: 

"DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ANTECIPADA PELO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DE MAGISTÉRIO. ADOÇÃO DE CRITÉRIOS DIFERENCIADOS PARA APOSENTADORIA PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO. ESVAZIAMENTO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DIFERENCIADA POR NORMA INFRACONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. FATOR PREVIDENCIÁRIO. INTERPRETAÇÃO CONFORME. APLICABILIDADE CONDICIONADA À POSIÇÃO JURÍDICA MAIS FAVORÁVEL AO SEGURADO.

1. Em linha de princípio, é devida a aplicação do fator previdenciário no cálculo da renda mensal inicial de aposentadoria por tempo de contribuição, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI-MC 2111-DF, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 16.03.2000, decidiu pela constitucionalidade da nova metodologia de cálculo do referido benefício, com base no princípio do equilíbrio financeiro e atuarial (CF/88, art. 201, caput, com a redação da EC 20/98).
2. Nada obstante, uma vez compreendido o fator previdenciário em seu desiderato de desestimular aposentadorias precoces, percebe-se que sua incidência indistinta no cálculo da aposentadoria assegurada constitucionalmente aos professores tem o condão de esvaziar a norma de dignidade constitucional que, em consonância com a política de educação, busca valorizar o exercício das funções de magistério, mediante a garantia de aposentadoria a partir de critérios diferenciados.
3. A aplicação do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria destinada aos professores pode consubstanciar, a um só tempo: a) esvaziamento de norma constitucional que consagra direito fundamental por uma outra, de hierarquia inferior; b) a desconsideração da razão de ser da garantia constitucional da aposentadoria antecipada do professor, qual seja, a especial valorização das atividades docentes.
4. Em trabalho hermenêutico de compatibilização da norma infraconstitucional com aquela de estatura constitucional, deve-se compreender que, nos casos de aposentadoria do professor que cumpre tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, nos termos do art. 201, §8º, da Constituição da República, a aplicação do fator previdenciário somente é possível quando for mais benéfica ao segurado.
5. Recurso da parte autora a que se dá provimento"
Segue a íntegra da decisão: 

RECURSO CÍVEL Nº 5001352-98.2011.404.7007/PR
RELATOR
:
José Antonio Savaris
RECORRENTE
:
VERA MARIA SILVA
ADVOGADO
:
ALICE JOANA DOS SANTOS
:
MATEUS FERREIRA LEITE
RECORRIDO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS























VOTO-VISTA























Encontra-se em discussão a constitucionalidade da aplicação do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição concedida ao professor que cumpre tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio (CF/88, art. 201, §8º, com a redação da EC 20/98).
De acordo com o disposto no art. 29, I, da Lei 8.213/91, com a redação emprestada pela Lei 9.876/99, o salário-de-benefício das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição consiste "na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário". De outra parte, as regras dispostas no art. 29, §9º, II e III, da Lei 8.213/91, com a redação emprestada pela Lei 9.876/99, disciplinam a aplicação do fator previdenciário quando se tratar de professor ou professora que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.
É preciso compreender a criação do fator previdenciário em seu contexto histórico. Foi sobre os fundamentos de uma previdência social que primaria pelo equilíbrio financeiro e atuarial que, menos de um ano após a promulgação da Emenda 20/98, foi publicada a Lei 9.876, de 26/11/99, que dentre outras providências alterou radicalmente os critérios de cálculo dos benefícios previdenciários em dois golpes. De um lado, alterou o período básico de cálculo para a definição do salário-benefício das prestações previdenciárias, isto é, o período cujas contribuições são consideradas no cálculo do benefício. De outro lado, criou o fator previdenciário, uma espécie de tablita obrigatoriamente aplicável no cálculo da renda mensal da aposentadoria por tempo de contribuição e facultativamente na aposentadoria por idade, mecanismo que influencia o valor desses benefícios a depender de critérios como tempo de contribuição, idade e expectativa de sobrevida do segurado ao se aposentar.
Em linha de princípio, é devida a aplicação do fator previdenciário no cálculo da renda mensal inicial de aposentadoria por tempo de contribuição, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI-MC 2111-DF, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 16.03.2000, decidiu pela constitucionalidade da nova metodologia de cálculo do referido benefício, com base no princípio do equilíbrio financeiro e atuarial (CF/88, art. 201, caput, com a redação da EC 20/98).
Nada obstante, uma vez compreendido o fator previdenciário em seu desiderato de desestimular aposentadorias precoces, percebe-se que sua incidência indistinta no cálculo da aposentadoria assegurada constitucionalmente aos professores tem o condão de esvaziar a norma de dignidade constitucional que, em consonância com a política de educação, busca valorizar o exercício das funções de magistério, mediante a garantia de aposentadoria a partir de critérios diferenciados.
A aplicação do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria destinada aos professores consubstancia, a um só tempo: a) esvaziamento de norma constitucional que consagra direito fundamental por uma outra, de hierarquia inferior; b) a desconsideração da razão de ser da garantia constitucional da aposentadoria antecipada do professor, qual seja, a especial valorização das atividades docentes.
Para melhor ilustrar a magnitude da injustiça e do agravo ao propósito constitucional operada pela aplicação de um redutor no cálculo da renda mensal das aposentadorias dos professores, agravo este mais acentuado quanto mais exatamente se valha o professor da garantia constitucional que lhe foi atribuída, colhem-se excertos das justificativas legislativas apresentadas para a aprovação da PEC que culminou com a constitucionalização da aposentadoria antecipada dos professores (EC 18, de 30/06/1981). Observe-se, neste sentido:
Nosso objetivo é, retomando a matéria, dispor sobre a aposentadoria dos Professores; estatutários ou celetistas, aos vinte e cinco anos de serviço ou trabalho, com proventos ou salário integrais.
(...)
Acreditamos que desta forma, fica o universo do professorado brasileiro abrangido pelo remédio legal, o que consideramos medida de justiça social, pelo verdadeiro sacerdócio exercido por estes profissionais.
(...)
Ao lado da família, o professor realiza a tarefa mais importante da sociedade. Por isso costumamos dizer que nele repousam as esperanças de todos os povos, principalmente daqueles que ainda não ultrapassaram a barreira do subdesenvolvimento. A medida que crescem as comunidades e aumenta a complexidade dos serviços, mais e mais encargos são cometidos ao professor, cidadão idealista e abnegado que dedica sua vida à nobre tarefa de servir.
(...)
Entretanto, ressentem-se os professores brasileiros - notadamente os que militam no início da escolarização, que deveria ser obrigatória e universal - dos baixos salários que lhes são proporcionados, tanto no setor público quanto no setor privado, levando-os ao desgaste precoce e ao abandono da profissãoA evasão de professores, no Brasil, é considerada uma das mais altas do mundo - uma prova inconteste do descaso a que está relegada a educação brasileira. A nível de 1.0 e 2.° graus, a situação é ainda mais grave.
Se ainda não foi encontrada uma fórmula capaz de minorar a aflitiva situação financeira dos professores; se o principio federativo constitui obstáculo a que a União assuma a iniciativa dos Estados;. se a situação financeira do País não permite aumento de despesa, que ao menos seja concedido aos mestres o benefício de uma aposentadoria especial, pois na realidade vinte e cinco anos de exercício do magistério correspondem a mais de 35 em outras atividades menos desgastantes" (Revista de Informação Legislativa. Brasília. a. 18 n.. 71, jul./set. 1981, grifos nossos).
Neste contexto, a interpretação de que o fator previdenciário se aplica à aposentadoria dos professores indistintamente, isto é, em qualquer caso, pode esvaziar a garantia constitucional que lhes é assegurada. Com efeito, enquanto a norma constitucional assegura a antecipação da inativação do professor, a legislação infra-constitucional conspiraria contra a norma constitucional, pois guarda a potencialidade de penalizar eventual jubilação antecipada, por meio de redução do conteúdo econômico da prestação constitucionalmente assegurada.
A aplicação do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria antecipada dos professores, se prejudicial, atenta contra a disposição constitucional que busca privilegiar o regime previdenciário desses trabalhadores, dada sua fundamental importância para o desenvolvimento socioeconômico e cultural de nosso País.
Assim interpretada, a legislação ordinária não guardaria racionalidade em relação à norma constitucional que assegura a aposentadoria diferenciada dos professores, na medida em que apresenta aptidão para produzir efeitos contrários daqueles desejados com a edição da norma constitucional.
Como bem demonstra a doutrina especializada:
"A partir da Lei 9.876/99, se tornou impossível fazer uma previsão do valor da aposentadoria, pois anualmente havia alteração da expectativa de vida que dependia do resultado apurado pelo IBGE, o que gerava insegurança na permanência ao trabalho, na continuidade das contribuições e, via de conseqüência, ensejava as aposentadorias antecipadas e prematuras.
Neste quadro se encontram os professores que foram contemplados com o direito à aposentadoria com menor tempo de contribuição, mas em razão da idade tem a renda mensal reduzida e que em decorrência da alteração anual da tábua de mortalidade e expectativa de vida, muitas vezes, a cada ano em que trabalha a mais, a renda fica menor.
(...)
Portanto, a aplicação do fator previdenciário na aposentadoria do professor retira a benesse constitucional de poder aposentar-se aos 25 ou 30 anos de efetivo labor no magistério. É dar essa benesse, incentivo, com uma mão e tirar com a outra" (DARTORA, Cleci. Aposentadoria do professor: aspectos controvertidos, Curitiba: Juruá Editora, 2008. p. 135).
Pois bem. Na medida em que as decisões jurídicas tratam do mundo real, fazendo-o no contexto de todo o corpo do sistema de direito normativo, elas "devem fazer sentido no mundo e devem também fazer sentido no contexto do sistema jurídico" (MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 137).
A deliberação judicial deve fazer sentido no sistema jurídico enquanto corpo coeso e coerente de normas "cuja observância garante certos objetivos valorizados que podem todos ser buscados em conjunto de modo integral" (ob. cit. p. 135).
Pela exigência de coesão, por mais desejável que seja uma deliberação a partir de fundamentos consequencialistas "ela não pode ser adotada se estiver em contradição com alguma norma válida e de caráter obrigatório do sistema". A rejeição da deliberação seria imposta, em tais condições, em razão de "seu conflito insolúvel com (a contradição de) normas válidas e estabelecidas" (ob. cit. p. 135).
Já a coerência requer a consonância da deliberação com um princípio racional que possa explicar ou justificar o tratamento sugerido. A escolha entre os modelos ou padrões possíveis deve oferecer solução coerente com o sistema jurídico, traduzindo "valores inteligíveis e mutuamente compatíveis". A nova deliberação deve, pois, encontrar-se coerente com o sistema jurídico, chamando suas diversas normas, em face dos casos concretos, como manifestação dos princípios mais gerais: "a exigência de coerência é atendida apenas até onde deliberações novas oferecidas possam ser inseridas no âmbito do corpo existente do princípio jurídico geral" (ob. cit. p. 136).
Nessas condições, em trabalho hermenêutico de compatibilização da norma infra-constitucional com aquela de estatura constitucional (interpretação conforme), deve-se compreender que, nos casos de aposentadoria do professor que cumpre tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, nos termos do art. 201, §8º, da Constituição da República, a aplicação do fator previdenciário somente é possível quando for benéfica ao segurado.
Ante o exposto, pedindo vênia ao culto juiz relator, voto por DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA, nos termos da fundamentação. Sem honorários.











Curitiba, 04 de setembro de 2013.



































José Antonio Savaris
Juiz Federal


Documento eletrônico assinado por José Antonio Savaris, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfpr.jus.br/gedpro/verifica/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7411438v8 e, se solicitado, do código CRC FB436A8B.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a):José Antonio Savaris
Data e Hora:09/09/2013 14:03


2 comentários:

  1. Impõe a reflexão sobre o tênue limite de afastar o mero silogismo do formalismo legal sem imiscuir-se como legislador positivo, mormente quando se afasta norma infraconstitucional expressa e válida sem a formal declaração de sua inconstitucionalidade, apenas se utilizando do trabalho hermenêutico de interpretá-la conforme. Exige-se perspicaz argumentação, como ocorrido na fundamentada decisão.

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  2. A decisão em destaque é um tributo em honra à dignidade humana, à justiça social e ao estado democrático social amalgamados em nossa Constituição vigente.

    Sabe-se que o constituinte de 1988 buscou nas teorias modernas de seguridade social e reafirmar o sistema de seguridade social brasileiro, outorgando-lhe uma autêntica personalidade maternalista. O resgate da justiça com nossos professores foi uma das consequências dessa escolha. E hoje o reconhecimento desse crédito constitucional não pode ser negado, sob pena de esvaziamento da norma superior.

    Em um contexto mundial marcado por mudanças nos sistemas de seguridade social (Estados Unidos com o projeto de lei de saúde, proposto pelo presidente Obama; Inglaterra com projetos de reforma dado ao número elevado de fraudes; França com a reformulação etária da aposentadoria, etc.), o que se espera do Brasil é a simples materialização da norma constitucional vigente. Ou seja, colocar em prática o plano social brasileiro, o qual vem se complicando gradativamente com a elaboração de leis inferiores em matéria de seguridade social.

    O afastamento do fator previdenciário por esta emblemática decisão significa, em poucas palavras, a consagração da segurança jurídica e aplicação lógica da norma hierarquicamente superior. Ademais, não há em direito, nada que possa justificar a sobreposição de uma norma jurídica “determinada” em detrimento da norma “determinante”. Conforme doutrina de CF MERKL.

    Por fim, evoca-se o fato de que o apogeu jurídico conquistado pelos professores brasileiros através de uma merecida APOSENTADORIA CONSTITUCIONAL é o mesmo em que se encontram outras categorias ultrajadas historicamente como ex combatentes; soldados da borracha e campesinos.

    Seguramente este julgado constitui-se em majestoso monumento no CANTEIRO DE OBRAS DA NAÇÃO SOCIAL, onde o professor, ocupa posição de destaque. Tal reconhecimento ao professor, oxigena a perspectiva de humanismo e sustentável desenvolvimento de nossa Nação, a qual já ensaia seu crescimento econômico e moral diante das demais.

    Efetivamente, Jurisdição é o Poder dever de fazer justiça! Aliás, o maior dos Poderes em nosso Estado Democrático Social! E a prudência do magistrado tem por consequência direta a materialização do compromisso político do Estado como um todo.

    O magistral julgado estampa a elevada sensibilidade e conhecimento jurídicos da Douta Turma Recursal Paranaense. Recobrando o sentido de um direito que já esmaecia ante a aplicação do fator previdenciário.

    Enfim aposentadoria digna aos professores!

    A justiça está restaurada!

    MATEUS FERREIRA LEITE, advogado, Francisco Beltrão - Pr

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