Um caso exemplar de desvinculação do juiz em relação a laudos médicos periciais. Ação de restabelecimento de benefício por incapacidade. Duas perícias realizadas por médicos especialistas apontam para a recuperação da capacidade do segurado. Audiência realizada. Outros elementos médicos chamados a justificar a desvinculação do juiz no caso concreto. O que me chama a atenção são as possibilidades para não adstrição ao laudo pericial e a importância de um processo bem instruído pelo profissional que patrocinava a demanda. Não faço referência ao número do processo e tampouco à parte interessada. O mais relevante é o modo como o caso pode ser solucionado. Perícias contrárias. A sentença foi de procedência. O INSS renunciou ao prazo para interposição do recurso.
Relatório
Trata-se de ação em que a parte autora, 52 anos,
carpinteiro, portadora de lombalgia (CID M54.5), espondilite ancilosante (CID
M45), obesidade grau I (CID E66.9) e osteopenia (CID M81.9), pretende a
concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez com efeitos a partir
de 27/10/2010 (DCB, NB 542.654.530-4), e consequente condenação do INSS ao
pagamento de atrasados, juros e atualização monetária.
É o breve relatório. Decido.
Fundamentação
A perícia médica realizada em juízo com especialista
em ortopedia e traumatologia esclareceu que a parte autora apresenta alteração
de natureza degenerativa em grau inicial a moderado, sem repercussões de
mielopatia ou radiculopatia, ausência de compressão nervosa. Concluiu pela
impossibilidade de reunir elementos técnicos e clínicos que caracterizassem
incapacidade laborativa para as atividades de carpinteiro (evento 14).
A fim de melhor averiguar a condição laborativa do
autor, foi designada audiência, na qual o depoimento pessoal do autor indiciou
dificuldade ao desenvolver sua atividade habitual (carpinteiro), tendo em vista
seus problemas ortopédicos e a impossibilidade de fazer esforço físico (evento
42).
Assim, foi efetuado segundo exame pericial, com
especialista em ortopedia, o qual também concluiu pela impossibilidade de
caracterização de incapacidade atual ou pregressa do autor para o trabalho
habitual (evento 61).
Há processos que apenas aparentemente são simples,
guardando em sua essência uma causa delicada.
Dada à profissão habitual do autor, à sua idade e à
patologia de que é portador deliberei por presidir audiência para tomada de
esclarecimentos da perita judicial. Em audiência suas percepções
técnico-científicas contrastavam com a realidade de vida do autor, com o fato
de ter deixado a atividade profissional que tinha, de ver-se forçado a não
trabalhar com os esforços físicos demandados pela sua atividade habitual, com
sua honra em jogo por atualmente depender dos esforços da esposa, na condição
de empregada doméstica, sendo eles residentes em domcílio que constitui parte de
lamentável bolsão de pobreza no Estado do Paraná.
A mim ficou claro a perfeita compreensão do autor
quanto à impossibilidade de exercer sua habitual atividade, tanto quanto a
recusa do médico da empresa em reconhecer sua aptidão.
Por tal razão determinei a realização de nova perícia
, confesso, não me tive por surpreso diante das mesmas conclusões da ciência,
da técnica, das impressões externadas como uma fotografia, que apalpa no exame
em juízo, mas não logra apalapar todos os dias que custaram o afastamento do
autor em relação ao seu trabalho.
Sim, é preciso reconhecer que a perícia não diz tudo e
que também duas perícias não dizem tudo. Talvez aqui esteja o sentido em não se
deixar tudo à mão da ciência médica. Talvez aqui se possa atuar levando em considerações
as condições sociais, como reiteradamente tem orientado a jurisprudência,
talvez aqui se possa julgar com equidade.
Apesar das conclusões dos laudos periciais,
simplesmente não vejo como o autor possa ter laborado em seu período de
afastamento e após a cessação do benefício por incapacidade na esfera
administrativa.
Nada obstante as conclusões periciais, frias como a
cidade de Curitiba, entendo que o autor faz jus ao restabelecimento de
auxílio-doença.
Com efeito, a tomografia de coluna lombossacra
referida pelos peritos indica protusão difusa (abaulamento) dos discos
intervertebrais L3-L4 a L4-L5. Além disso, ultrassonografia de cotovelos
indicou epicondilite medial (eventos 14 e 61).
Por outro lado, conforme atestado anexado com a
inicial (doc. 11), o autor aguarda ser submetido a cirurgia de hérnia discal.
Os problemas ortopédicos dificultam a função do autor,
que não foi liberado pelo médico da empresa empregadora para voltar ao trabalho
(evento 45).
Diante dos documentos médicos apresentados e da
necessidade de condição ortopédica adequada para a função de carpinteiro - e
levando em conta, ainda, a idade do autor -, concluo pela não recuperação da
capacidade para exercer sua atividade habitual, motivo pelo qual faz jus ao
restabelecimento de auxílio-doença desde a data da cessação.
Tutela de urgência
Reconhecido o direito de um lado e a natureza urgente
da prestação objeto da presente demanda, determino à requerida que implante o
benefício previdenciário, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da ciência desta
decisão, sob pena de multa diária de R$ 25,00 (vinte e cinco reais).
Dispositivo
Ante o exposto, julgo procedente o pedido inicial,
na forma do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para o efeito de
condenar o INSS a:
a) restabelecer o benefício de auxílio-doença nº
542.654.530-4 em favor do autor, com efeitos desde a data da cessação
(27/10/2010);
Dr. Savaris fico extremamente feliz em saber que exitem juízes com o seu discernimento, quando é analisado o conjunto probatório o princípio da dignidade da pessoa humana é enaltecido. Abraços, Márcia.
ResponderExcluirBrilhante decisão. O juiz realmente agiu com equidade. Infelizmente muitos juízes de Juizados Especiais negam a realização da audiência, mesmo possuindo diversos requerimentos nesse sentido, sob o fundamento de que se trata de prova técnica. Como bem ponderou a sentença, tem situações que a prova técnica não é capaz de atender a realidade do Segurado, como por exemplo: Casos de estigma social do HIV e etc. Que esta sentença seja divulgada perante aos JEFs. Att
ResponderExcluirjulgar com a com ciência e não com a ciência.
ResponderExcluirOlá, professor.
ResponderExcluirSou estagiária na Defensoria Pública da União em Mato Grosso e estou no 5º ano da faculdade de Direito da UFMT e pretendo apresentar meu trabalho de conclusão de curso sobre a concessão dos benefícios por incapacidade e o regime probatório em matéria previdenciária. De modo que gostaria de agradecer imensamente pelas publicações aqui encontradas sobre o tema, em especial a louvável decisão postada no dia 21/05/2013 trazida nesse post, pois é exatamente o foco das minhas pesquisas e grande é a dificuldade em encontrar autores que escrevam sobre direito processual previdenciário. No dia-a-dia da DPU/MT, já acompanhei diversos processos nos quais o assistido junta aos autos vários laudos e exames médicos de especialistas na patologia incapacitante que atestam pela impossibilidade de exercer atividades laborativas e mesmo assim, diante da não constatação da incapacidade pelo médico perito,o o benefício não é concedido, pra não citar, os assistidos que veem a falecer no curso do processo exatamente pela doença alegada como incapacitante, mas que o perito insistiu na incapacidade e o Tribunal acatou a análise pericial.Muito obrigada por se dedicar a temas relacionados ao direito fundamental à previdência social, pois a UFMT é carente nessa seara, especialmente porque não temos ainda essa disciplina na nossa grade curricular e espero que continue estudando e publicando sobre o assunto, estarei acompanhando.