Juiz Federal da 3a Turma Recursal do Paraná. Doutor em Direito da Seguridade Social (USP). Coordenador da Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário da ESMAFE-PR. Presidente de Honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Coisa Julgada Previdenciária

"Uma vez admitido o caráter único da lide previdenciária, a eficácia normativa dos princípios constitucionais que consagram o devido processo legal e, particularmente, o direito fundamental a uma ordem jurídica justa, exige uma disciplina processual adequada ao bem da vida que se encontra em discussão. Essa processualidade tipicamente previdenciária tem como uma de suas exigências mais flagrantes a acomodação dos efeitos da coisa julgada que se opera em processos que chegam ao seu termo final com a denegação da proteção social por insuficiência de provas".

SAVARIS, J. A. . Coisa julgada previdenciária como concretização do 
direito constitucional a um processo justo. 
Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 1, p. 65-86, 2011.

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Sumário: Introdução. 1. Considerações metodológicas. 2. O Direito Processual Previdenciário. 3. Coisa julgada em matéria previdenciária. 4. Coisa julgada secundum eventum probationis. 5.  Coisa julgada previdenciária. 6. Considerações finais. Referências.


"Introdução


A atuação jurisdicional não deve resignar-se à concepção metodológica que lhe impõe um papel insignificante no desenvolvimento do Direito e na afirmação de sua fundamentação ética. 

A doutrina da pretensão de efetividade da Constituição há anos tem pavimentado a via metodológica de realização do Direito mediante interpretação e concretização da normas constitucionais.  

No âmbito da atuação jurisdicional é, talvez, “onde mais significativamente repercute essa força especial dos direitos fundamentais, caracterizada, basicamente, pela combinação do caráter hierarquicamente superior das normas jusfundamentais, com a sua aplicabilidade imediata, que torna legítimas todas as soluções compatíveis com elas, independentemente de texto legal (infraconstitucional) .

É justamente da eficácia normativa do devido processo legal que se depreende a existência de um direito processual previdenciário que, embora ignorado pela doutrina, apenas parcialmente reconhecido pelo legislador e apenas pontualmente tocado pela jurisprudência, afigura-se como direito positivo, impondo-se com suas exigências normativas que fazem os institutos processuais, também na seara previdenciária, ajustarem-se ao direito fundamental a uma ordem jurídica justa.

Corolário dessas reflexões é a identificação da coisa julgada previdenciária como instituto constitucionalmente adequado a disciplinar a estabilidade das decisões judiciais proferidas no campo da Previdência Social.   

O presente texto destina-se a demonstrar que, mesmo sem disposição legal expressa, imposições de ordem ético-jurídica fazem abrandar os critérios do processo civil clássico quanto à vedação de acesso à justiça apoiada no instituto da coisa julgada, quando a denegação de proteção previdenciária ocorrer por insuficiência de provas.  

1. Considerações metodológicas. 


O problema fundamental da metodologia jurídica contemporânea é o de estabelecer critérios adequados para a aplicação do Direito no caso concreto e, nesta arena, é necessário considerar o pensamento de que o Direito não é (não é Direito) sem se manifestar na prática e como uma prática[1].
Não se deve compreender o Direito como um sistema de normatividade jurídica, em uma perspectiva eminentemente teórica. A concepção normativista apresenta uma visão estritamente dogmática do Direito. Deixando de perceber a decisão judicial como uma atividade realizadora do Direito, pretende estabelecer, com exatidão e de uma vez por todas, o sentido ou o significado de todos os termos jurídicos de maneira que faça possível realizar um raciocínio tão estrito como aquele que tem lugar no modelo matemático[2]. O normativismo busca “exprimir uma legalidade prescrita e [...] manifestar a verdade de uma dogmática simplesmente reprodutivo-conceitualista ou reprodutivo-analítica”[3].
Se a norma jurídica goza da primazia em relação ao caso concreto, não interessam os resultados de sua aplicação no-mundo-em-que-vivemos. A superação do formalismo positivista deve-se dar, portanto, com a reabilitação metodológica do caso concreto – e suas exigências de justiça – na problemática da interpretação da norma. É necessário reconhecer que o ato judicial decisório não corresponde à mera aplicação da lei, mas à realização do Direito.
E, de fato, as prescrições jurídicas não são interpretadas na realização do Direito senão por meio de uma dialética “entre a sua intencionalidade normativa e a realidade problemático-decidenda (os casos concretos decidendos) que inteiramente lhes recusa o “platonismo de regras”, segundo o qual “as prescrições jurídicas são, por um lado, entidades auto-significantes ou contêm como um “em si” a sua significação e, por outro lado, pré-determinam a sua própria aplicação, no sentido de que a sua significação é critério único e decisivo da sua aplicação ou de que conhecer a significação é condição suficiente para essa aplicação[4].
Nessa dialética – entre intencionalidade normativa e realidade do caso concreto – é que “se traduz verdadeiramente a interpretação como momento daquela realização e em que as prescrições vêem afinal constituída a sua significação e o seu sentido juridicamente decisivos”[5].
Como fenômeno ético, o Direito terá sua compreensão determinada apenas diante do caso concreto, quando de sua final constituição.  Por essa razão é que se fala de uma constituição equitativa da norma no caso concreto[6].
Na perspectiva assumida neste texto, o pensamento jurídico é chamado a resolver problemas práticos (pensamento jurídico como pensamento judicativo-decisório). Para tanto, deve colocar ênfase nas exigências de justiça do problema concreto e orientar-se por princípios normativos e seus fundamentos axiológicos (os valores que lhe justificam).
A partir desse ponto de vista logra-se perceber a largueza do direito fundamental a um processo justo, como manifestação da cláusula do devido processo legal. Também é deste terreno que se visualiza a relativa autonomia do direito processual previdenciário em relação ao direito processual civil clássico. E é a partir dessas duas premissas que se alcançará a proposição de que o instituto da coisa julgada assume forma distinta nos litígios previdenciários.

2.      O Direito Processual Previdenciário. 
Expressar a existência de um direito processual previdenciário, relativamente autônomo ao direito processual civil comum, significa reconhecer normatividade específica a orientar a atuação jurisdicional nos processos judiciais que veiculam controvérsia sobre o direito de uma pessoa a uma determinada prestação previdenciária. 
A ausência de um sistema de normas processuais facilmente identificáveis como destinadas a disciplinar os processos em que se discute um bem da vida previdenciário não implica negar existência do direito processual previdenciário.
É necessário referir, de qualquer sorte, a existência de algumas normas processuais previdenciárias esparsas. Pode-se reconhecer como regra processual tipicamente previdenciária, por exemplo, a norma constitucional que dispõe a competência delegada da justiça estadual para processar e analisar os feitos previdenciários, nos termos do art. 109, §§ 3º e 4º, da Constituição da República[7].
No plano infra-constitucional, colhe-se como ilustração de norma processual que, estabelecendo um regime probatório diferenciado, veda a produção de prova exclusivamente testemunhal para a comprovação do tempo de serviço ou contribuição[8]. E outras disposições poderiam ser aqui recordadas, como a regra concernente (a) à substituição de parte nos processos previdenciários (Lei 8.213/91, art. 112)[9]; (b) à previsão de revisão administrativa da coisa julgada nos benefícios por incapacidade (Lei 8.212/91, art. 71)[10]; (c) à flexibilização constitucional da exigência de precatórios requisitórios (Lei 8.213/91, art. 128, em sua redação original)[11]; à atribuição de efeito exclusivamente devolutivo aos processos que envolvam prestações previdenciárias, cumprimento imediato das decisões e dispensa de devolução dos valores na hipótese de reforma da decisão favorável ao segurado (Lei 8.213/91, art. 130)[12].
Mas as normas processuais previdenciárias encontradas textualmente na Constituição e em disposições legais, antes de fundamentarem a existência desta específica disciplina processual, prestam-se apenas a explicitar que a singularidade da lide previdenciária reclama normatização distinta daquela oferecida pelo direito processual civil comum.
As exigências de específica normatização processual previdenciária não foram todas reconhecidas pelo legislador. É por isso que algumas delas são solucionadas pela jurisprudência, em sua tarefa de realização concreta do Direito.
O problema da eficácia das decisões da Justiça do Trabalho na seara previdenciária bem ilustra a emergência de questões que nascem apenas nos processos previdenciários[13].
É também pelo fenômeno da singularidade previdenciária que vem sendo consagrado o princípio da fungibilidade das ações previdenciárias por incapacidade, seja para atenuar o rigor na identificação do interesse processual, seja para mitigar a aplicação do princípio da adstrição da sentença ao pedido inicial. 
Com apoio neste princípio é que a parte que jamais requereu administrativamente aposentadoria por invalidez - e sim auxílio-doença ou benefício assistencial - pode reclamá-la diretamente em juízo, sem que se fale em falta de interesse processual.
Também por força do princípio da fungibilidade, entende-se não incorrer em julgamento extrapetita a decisão judicial que condena o INSS a implantar aposentadoria por invalidez embora a parte tenha requerido benefício distinto (auxílio-doença, auxílio-acidente, ou mesmo benefício assistencial)[14].
Considerando que o CPC dispõe que “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta (...)” (art. 128) e que “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado” (art. 460), pergunta-se: Em que se fundamenta a atuação pretoriana que legitima, por exemplo, uma decisão concessiva de benefício assistencial quando pleiteada aposentadoria por invalidez? Não estaria sendo aqui desconsiderada a legislação processual civil vigente? 
As ponderações externadas na parte inicial deste estudo já apontariam para a correção da solução judicial que pondera a intencionalidade normativa e as exigências de adequação e justiça do problema concreto.
E fica mais claro o acerto dessa linha de construção jurisprudencial quando se percebe, ainda sob as luzes de nossas considerações metodológicas, que o devido processo legal consagra o direito fundamental a um processo justo, assim compreendido aquele que se revela adequado ao direito material que busca satisfazer. 
Eis o ponto fundamental da teoria do direito processual previdenciário: A lide previdenciária apresenta singular configuração e, por isso, deve orientar-se pela eficácia normativa do devido processo legal, o qual, mercê de sua dignidade constitucional, prevalece sobre as disposições processuais civis que ofereçam resposta inadequada ao processo previdenciário, tanto quanto pode suprir eventual ausência ou insuficiência de disciplina legal[15].
A doutrina processual há décadas vem expressando que a disposição contida no art. 5º, XXXV, da CF/88, consagra o direito à adequada e efetiva tutela jurisdicional.[16] E evidentemente o direito a uma adequada tutela jurisdicional pressupõe considerar que o processo deve ser “bem aderente ao direito material”, ajustando-se “à peculiaridade e à exigência da pretensão material[17].
O que se pretende com o reconhecimento de uma normatividade específica para o direito processual previdenciário é a realização prático-jurisprudencial do ideal constitucional de um processo justo, isto é, um processo orientado por atuação jurisdicional que leve em conta as particularidades da lide que se apresenta à solução judicial.
Se o legislador ordinário desconsidera ao menos em parte a necessidade de disciplina específica para o processo previdenciário, o aplicador do direito tem o dever de suprir a inadequação ou insuficiência do processo civil comum, orientando-se pelo devido processo legal e, mais especificamente, pelo direito fundamental a um processo justo.  
Já é hora de serem indicadas as particularidades que conformam a singularidade da lide previdenciária, as quais são percebidas fundamentalmente nos sujeitos da relação processual e na natureza do objeto do litígio:
a) a fundamentalidade de um bem jurídico previdenciário, isto é, sua natureza alimentar correspondendo a um direito de relevância social fundamental
Um bem jurídico previdenciário corresponde à ideia de uma prestação indispensável à manutenção do indivíduo que a persegue em juízo. Essa primeira noção é reconhecidamente basilar, mas extremamente importante: uma prestação previdenciária tem natureza alimentar; destina-se a prover recursos de subsistência digna para os beneficiários da previdência social que se encontrem nas contingências sociais definidas pelo sistema normativo.  
O direito à proteção previdenciária é, ademais, um direito constitucional fundamental. Sua fundamentalidade não decorre apenas de uma determinação topológica, pelo fato – importante, reconheça-se – de a Previdência Social estar expressa na Constituição da República como um direito social inscrito no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (CF/88, art. 6º). Em uma estrutura assentada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III) e com objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3º, I), de erradicação da pobreza e a marginalização, e de redução das desigualdades sociais e regionais (CF/88, art. 3º, III), parece lógico que um sistema de proteção social seja uma peça necessária[18].
b) a presumível hipossuficiência econômica e informacional da pessoa que reivindica uma prestação da previdência social
O autor de um processo previdenciário é presumivelmente hipossuficiente. Trata-se de hipossuficiência econômica e informacional. Por elas, o autor encontrará dificuldades para contratação de advogado especializado, menos recursos para se lançar à busca de elementos de prova que sustentem suas alegações e desconhecerá relevantes informações que poderiam lhe credenciar ao recebimento de determinada prestação previdenciária. Além disso, presume-se a insuficiência de conhecimento acerca de sua situação jurídica, seus direitos e deveres[19].
c) uma suposta contingência que ameaça a sobrevivência digna da pessoa que pretende a prestação previdenciária
Se o autor busca em juízo prestação de natureza alimentar considerada indispensável para sua manutenção, presume-se que esteja destituído de recursos para garantir sua subsistência.  Essa presunção de vulnerabilidade é mais segura nas ações em que se buscam os chamados benefícios sensíveis, como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e auxílio-reclusão[20]. Na ação em que se pretende o benefício de prestação continuada da assistência social, a presunção de fragilidade econômica, salvo temeridade na demanda, não é passível de ser infirmada, visto que o próprio direito material é destinado apenas ao que necessita (CF/88, art. 203, caput) e não tem condições de prover sua subsistência ou tê-la provida por sua família (CF/88, art. 203, V).
d) o caráter público do instituto de previdência que assume o pólo passivo da demanda
O réu das ações previdenciárias é o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, sempre[21].
Se o autor da demanda é presumivelmente hipossuficiente, por sua vez o réu é uma entidade pública, o Estado em um sentido amplo. Se o primeiro não detém conhecimento pleno acerca de seus direitos, o último dispõe de todas as informações que poderiam conduzir à concessão da prestação previdenciária pretendida. Ademais, o processo judicial existe porque a Administração Previdenciária em tese violou o direito material do autor, indeferindo o benefício na esfera administrativa. Segue daí que os documentos que podem comprovem os fatos constitutivos do direito pretendido se encontram, via de regra, em poder da entidade pública[22]. De outro ângulo, o autor apresenta sérias dificuldades para quantificar o valor do benefício que pretende, ao passo que a autarquia previdenciária dispõe de todos os elementos necessários à confecção dos cálculos mais complexos[23].
Em suma: No processo previdenciário, o autor da demanda presume-se hipossuficiente e destituído, total ou parcialmente, de meios necessários à sua subsistência. Esses recursos de natureza alimentar são pressupostos para o exercício da liberdade real do indivíduo e indispensáveis à afirmação de dignidade humana. Temos, portanto, alguém presumivelmente hipossuficiente na busca de um bem da vida de superior dignidade e com potencialidade para colocar um fim no seu estado de privação de bem-estar e destituição. No pólo passivo da demanda, tem-se a entidade administradora do Regime Geral da Previdência Social, com os privilégios processuais da Fazenda Pública – exceção feita aos processos que tramitam perante os juizados especiais federais (Lei 10.259/01, art. 9º) – e com as dificuldades já notórias no que diz respeito ao atendimento de seus beneficiários na esfera administrativa e cumprimento das determinações judiciais[24].
Esses contornos da relação processual, juntamente com a natureza fundamental do direito material, emprestam à lide previdenciária um caráter único, com um feixe de problemas específicos que devem receber tratamento normativo diferenciado daquele proposto pelo processo civil clássico.
O que se tem até o presente momento, contudo, é um regramento jurídico esparso dispondo sobre alguns temas de processo previdenciário. Essa regulação atende apenas parcialmente às nuances da lide previdenciária, mas sua insuficiência tem impulsionado a jurisprudência a criar alguns padrões normativos específicos.
Muito de decisivo para o direito processual previdenciário ainda não é pensado de modo sistematizado, todavia. E a problemática da coisa julgada previdenciária revela-se exemplar.
3. Coisa julgada em matéria previdenciária
O instituto da coisa julgada encontra-se fundamentado na necessidade de que, em determinada medida, as decisões judiciais apresentem-se como definitivas[25].
É essencial manifestação do Estado de Direito que as relações jurídicas sejam regidas de modo a assegurar às pessoas condições de planejarem suas vidas com razoável grau de previsibilidade e confiança na ordem jurídica. A proteção da segurança jurídica, por consequência, é um dos pilares de um Estado de Direito.
A incerteza das relações jurídicas constitui inequívoco foco de inquietude social e com ela germinam proposições que colocam em xeque a legitimidade do poder estatal.
Compreende-se, assim, a importância de que os litígios individuais e coletivos sejam prevenidos ou, em tempo razoável, encontrem seu ponto final.
A solução dos conflitos realiza-se, via de regra, com a intervenção do Poder Judiciário e seria absolutamente indesejável que, após a proclamação de quem tem razão, fosse o conflito a qualquer tempo reaberto e o Estado novamente chamado a dizer o Direito. Que crédito teria uma tal decisão judicial? Que eficácia deteria a ordem jurídica e de que legitimidade gozariam as instituições públicas chamadas a assegurá-la? Que ordem afinal prevaleceria senão a desordem orientada pelo mais forte?
Não é objetivo deste estudo reafirmar o que se encontra muito bem elaborado em tantos estudos processuais-constitucionais: a capital importância da coisa julgada e os seus fundamentos axiológicos.
Reconhecer o papel fundamental da coisa julgada não conduz, todavia, à ideia de que a decisão judicial contra a qual não cabe mais recurso seja imutável independentemente das nulidades processuais que concorreram para sua formação ou do inequívoco e inescondível error in judicando que manifesta.
Neste sentido, demonstram não ser absoluta a eficácia da coisa julgada as exceções previstas na legislação processual civil (CPC, art. 485) e a sólida doutrina da relativização da coisa julgada:
“Não há uma garantia sequer, nem mesmo a da coisa julgada, que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demais ou dos valores que elas representam. Afirmar o valor da segurança jurídica (ou certeza) não pode implicar desprezo ao da unidade federativa, ao da dignidade humana e intangibilidade do corpo etc. É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica, mas abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável.
Nesta perspectiva metodológica e levando em conta as impossibilidades jurídico-constitucionais acima consideradas, conclui-se que é inconstitucional a leitura clássica da garantia da coisa julgada, ou seja, sua leitura com a crença de que ela fosse algo absoluto e, como era hábito dizer, capaz de fazer do preto branco e do quadrado redondo. A irrecorribilidade daqueles resultados substanciais política ou socialmente ilegítimos, que a Constituição repudia. Daí a propriedade e a legitimidade sistemática da locução, aparentemente paradoxal, coisa julgada inconstitucional”[26].

O núcleo da problemática oferecida no presente texto diz respeito à justiça das decisões judiciais previdenciárias vis a vis o instituto da coisa julgada. Mais especificamente, a reflexão proposta manifesta crítica à visão dominante consoante a qual a decisão judicial passada em julgado que, por insuficiência de provas, denega proteção previdenciária a uma pessoa, o faz de uma vez por todas. 
Embora diversas particularidades pudessem fomentar análise do que se tem por caso julgado em matéria previdenciária, o plano deste estudo é enviesado a oferecer resposta à inaceitável situação de se denegar proteção social a quem dela necessita e a ela faz jus, mas que, por razões das mais diversas, não logrou comprovar o fato constitutivo do seu direito.
Não se trata aqui, portanto, de discorrer sobre o que se resolveria a partir da perspectiva do processo civil clássico.
Se, a título ilustrativo, o pedido de concessão de benefício de auxílio-doença foi julgado improcedente porque não foi constatada incapacidade para o exercício da atividade habitual do segurado no primeiro processo, nada obsta seja o pedido renovado, desde que tenham sido modificadas as circunstâncias de fato. Na hipótese de alteração da causa de pedir, a repetição do pedido não encontra obstáculo na coisa julgada. E isso prescreve o processo civil comum.
Da mesma forma, se é negada judicialmente a concessão de aposentadoria espontânea (por tempo de contribuição, idade ou especial), nada impede seja o pedido renovado, uma vez suscitada a ocorrência de novos fatos, como, por exemplo, o superveniente cumprimento do período de carência ou do requisito específico exigido para a concessão da prestação reivindicada.
Ainda nesta linha de pensamento é seguro afirmar a possibilidade de reprodução de pedido judicial de concessão de benefício anteriormente denegado com fundamento em alteração do sistema normativo[27].
 Até aqui a solução seria encontrada dentro das raias do direito processual civil comum, em matéria previdenciária.
4. Coisa julgada secundum eventum probationis
O clássico desenvolvimento dado à ideia dos planos da cognição (horizontal, vertical), levado a efeito por Kazuo Watanabe, constitui valioso suporte para a melhor compreensão das diversas modalidades de processo e, no que interessa mais intensamente aos objetivos deste trabalho, auxilia na compreensão da combinação das várias modalidades de cognição para a concepção de processo com procedimentos diferenciados.
Em sua conhecida sistematização, a cognição pode ser vista em dois planos distintos: o plano horizontal, referindo-se à extensão ou amplitude, e o plano vertical, referindo-se à profundidade. No plano horizontal, a cognição pode ser plena (se enfrentadas as questões processuais, condições da ação e mérito) ou limitada (ou parcial). No plano vertical, a cognição é classificada de acordo com o grau de profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)[28].
Quanto ao procedimento de cognição plena e exauriente secundum eventum probationis, identifica-se sua pertinência quando se tem um “condicionamento da profundidade da cognição à existência de elementos probatórios suficientes”, isso em razão de técnica processual (para conceber procedimento simples e célere) ou “por motivo de política legislativa (evitar, quando em jogo interesse coletivo, a formação de coisa julgada material a recobrir juízo de certeza fundado em prova insuficiente e formado mais à base de regras de distribuição e ônus da prova[29].
Para o autor, “Com a combinação dessas modalidades de cognição, o legislador está capacitado a conceber procedimentos diferenciados e adaptados às várias especificidades dos direitos, interesses e pretensões materiais”[30]. De nossa parte, o princípio do devido processo legal e seu corolário – princípio da efetiva proteção judiciária – exige que os procedimentos legislativos sejam adequados à realidade, sob pena de não serem aplicados no caso concreto. Não percebemos com absoluta confiança o desejo e a capacidade do legislador na concepção dos procedimentos adequados.
Constitui equívoco pensar o sistema processual enquanto modelo ideal, como se a porção reservada ao juiz fosse descobrir os princípios que informam o sistema, os princípios que influem para que ele seja assim, como se apresenta. Mais do que entender uma suposta lógica ideal do sistema, deve o investigador sondar eventuais imperfeições e, em discernindo contradições do modelo normativo com o senso de justiça em face da realidade, inspirado em valores constitucionais mais fundamentais, propor-se a aperfeiçoá-lo em sua expressão instrumental à justiça e à pacificação social.
Por essa razão concorda-se com o mestre paulista, no que conclui:
“É através do procedimento, em suma, que se faz a adoção das várias combinações de cognição considerada nos dois planos mencionados, criando-se por essa forma tipos diferentes de processo que, consubstanciando um procedimento adequado, atendam as exigências das pretensões materiais quanto à sua natureza, à urgência da tutela, à definitividade da solução e a outros aspectos, além de atender as opções técnicas e políticas do legislador. Os limites para a concepção dessas várias formas são os estabelecidos pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e pelos princípios que compõem a cláusula do “devido processo legal”[31].

Afinal, “o direito à cognição adequada à natureza da controvérsia faz parte, ao lado dos princípios do contraditório, da economia processual, da publicidade, e de outros corolários, do conceito de ‘devido processo legal’, assegurado pelo art. 153, § 4º, da Constituição Federal [CF/67)]”[32].
O valioso estudo de Kazuo Watanabe carrega o germe para que à lide previdenciária, mercê de sua singularidade, seja aplicada a técnica de cognição plena e exauriente secundum eventum probationis quando não exista “prova bastante para o desate tranquilo da controvérsia”, quando faltar “suporte probatório suficiente para o convencimento” – ou quando houver “dúvida fundada” (Dec.-lei 3.365/41) ou “matéria de alta indagação” (CPC, art. 1.000, parágrafo único, III).
Nessa espécie de cognição plena e exauriente, há um aspecto marcante consistente no fato de “estar condicionada a decisão da questão, ou mesmo do thema decidendum, à profundidade da cognição que o magistrado conseguir, eventualmente, estabelecer com base nas provas existentes nos autos”. Concluindo-se pela insuficiência de prova, “o objeto litigioso é decidido sem caráter de definitividade, não alcançando, bem por isso, a autoridade de coisa julgada material”[33].
5.  Coisa julgada previdenciária
Com a locução coisa julgada previdenciária pretende-se mais do que expressar a imutabilidade das decisões judiciais que definem as relações jurídicas previdenciárias. Busca-se com ela discutir a possibilidade de renovação do pedido de concessão ou revisão de determinado benefício previdenciário quando a pretensão foi originariamente recusada por insuficiência de provas, hipótese que, em princípio, não encontraria amparo no processo civil clássico.  Trata-se de reconhecer, na seara processual previdenciária, a pertinência da coisa julgada segundo a prova dos autos (secundum eventum probationis).
De fato, enquanto o processo civil comum, com a pretensa imutabilidade da coisa julgada, pode aceitar o sacrifício da justiça em favor da segurança jurídica, o direito processual previdenciário é guiado por um princípio fundamental de que o indivíduo não pode ser separado de seu direito de sobreviver pela solidariedade social por uma questão formal.
É inaceitável que se sepulte o direito proteção social em função da certeza assegurada pela coisa julgada, quando a pessoa, na realidade, faz jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente.
Tal como no direito penal se admite a revisão criminal para beneficiar o réu quando, por exemplo, são descobertas novas provas que o favoreçam, o processo previdenciário pauta-se pelo comprometimento, a todo tempo, com o valor que se encontra em seu fundamento: a proteção social do indivíduo vulnerável, essa essencial dimensão de liberdade real e dignidade humana. Em relação a este valor, é de se reconhecer, a segurança contraposta deve ser superada como um interesse menor[34].
A coisa julgada não deve significar uma técnica formidável de se ocultar a fome e a insegurança social para debaixo do tapete da forma processual, em nome da segurança jurídica. Tudo o que acontece, afinal, seria “apenas processual, mesmo que seus efeitos sejam desastrosos para a vida real[35].
A fundamentação para a aceitação do que acima foi proposto não se dá apenas pelas primeiras características da “singularidade previdenciária” (relevância do bem da vida para a afirmação da dignidade humana e hipossuficiência econômica e informacional da parte que se presume destituída de recursos para sua subsistência). Igualmente o caráter público do instituto de previdência que assume o pólo passivo da demanda é relevante, pois não haverá o sentimento de eterna ameaça de renovação de um litígio ou de revisão de uma sentença. Não há insegurança em se discutir novamente uma questão previdenciária à luz de novas provas, como inexiste insegurança na possibilidade de se rever uma sentença criminal em benefício do réu. O que justifica esta possibilidade é justamente o valor que se encontra em jogo, a fundamentalidade do bem para o indivíduo e sua relevância para sociedade.
Mais ainda, não se pode esquecer que o indivíduo agravado com a sentença de não-proteção se presume hipossuficiente (em termos econômicos e informacionais) e sofrendo ameaça de subsistência pela ausência de recursos sociais. Seria minimamente adequada a sentença que impõe ao indivíduo a privação perpétua de cobertura previdenciária a que, na realidade, faz jus? Em nome do quê, exatamente?
De outro lado, a entidade pública chamada a conceder a prestação previdenciária tão-somente operará na melhor aplicação do princípio da legalidade, entregando ao indivíduo o que, ao fim e ao cabo, lhe era mesmo devido por lei.
Enquanto o processo civil clássico aponta para o fechamento preponderantemente indiscutível da coisa julgada, o processo previdenciário busca apoiar-se no princípio constitucional do devido processo legal com as cores específicas da não-preclusão do direito previdenciário[36].
O princípio da não-preclusão do direito à previdência social com a consequente desconsideração da eficácia plena da coisa julgada foi objeto de louvável posicionamento assumido pela 5ª Turma do TRF da 4ª Região, ainda no ano de 2002:
“O princípio de prova material é pré-condição para a própria admissibilidade da lide. Trata-se de documento essencial, que deve instruir a petição inicial, pena de indeferimento (CPC, art. 283 c.c. 295, VI). Conseqüentemente, sem ele, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, I). E assim deve ser, porque o direito previdenciário não admite a preclusão do direito ao benefício, por falta de provas: sempre será possível, renovadas estas, sua concessão. Portanto, não cabe, na esfera judicial, solução diversa, certo que o Direito Processual deve ser enfocado, sempre, como meio de para a realização do direito material”. (TRF4 – 5ª T. – AC 2001.04.01.075054-3 – Rel. Antonio Albino Ramos de Oliveira – DJ 18.09.2002)

“O direito previdenciário não admite preclusão do direito ao benefício, por falta de provas: sempre será possível, renovadas estas, sua concessão”. (AC 2001.04.01.075054-3 – Rel. Des. Federal Albino Ramos de Oliveira)

Com base nesse entendimento, a 5ª Turma vinha entendendo que, nos casos em que o segurado não prova as alegações, deve o feito ser extinto sem julgamento de mérito. Tem-se admitido a propositura de nova demanda ainda que uma outra, anteriormente proposta, tenha sido julgada improcedente, adotando-se, desse modo, em tema de Direito Previdenciário, a coisa julgada secundum eventum probationis. (TRF4 – 5ª T. – AC 2001.70.01.002343-0 – Rel. Paulo Afonso Brum Vaz – DJ 21.05.2003)
Mas se o juiz se lança à tarefa de valoração da prova, não estaria ele examinando o mérito para, depois de concluir pela ausência ou insuficiência de prova material, extinguir o feito sem o julgamento do mérito? É um tanto rigoroso afirmar, na linha do primeiro precedente acima transcrito, que “o princípio de prova material é pré-condição para a própria admissibilidade da lide” ou que se trata de “de documento essencial, que deve instruir a petição inicial, pena de indeferimento” (CPC, art. 283 c.c. art. 295, VI). Ao analisar a suficiência de prova material, impõe-se a extinção do processo com o julgamento do mérito. Orientando-se ao encerramento sem o julgamento do mérito, contudo, o juiz se abre ao apelo do bem da vida que se encontra em discussão, distanciando-se da forma processual civil em nome de um valor maior. Resguardando a possibilidade de o indivíduo reunir os elementos de prova necessários e obter finalmente o benefício previdenciário, a homenagem é feita à lógica da preservação da vida, à ideia de não-preclusão do direito previdenciário.
Mas seria correto sustentar que a impropriedade técnica (extinção sem o mérito após valoração da prova) impulsionada pelo zelo progressista (ou liberalidade?) do magistrado é que definirá a possibilidade de nova discussão da causa? Não deverá ser considerada a decisão como extintiva do mérito, em sua substância? E quando outro juiz, em casos idênticos, delibera adotar a ortodoxia do processo civil clássico e extingue o feito com exame do mérito? Por um detalhe meramente formal do dispositivo da sentença, não importa o mais, define-se a sorte do indivíduo?
Na extinção do processo sem o julgamento do mérito por falta de provas há também um importante reconhecimento da insuficiência do poder de cognição do juiz. A decisão final deixa de ser vista como um veredicto imutável para ser melhor compreendida como uma decisão “nestes termos” ou “por agora”.
É isso o que expressa a decisão que extingue o feito sem julgamento do mérito por ausência de prova material: primeiro, a possibilidade de que existam provas favoráveis ao autor que não constam nos autos e que poderiam mudar a sua sorte; segundo, a injustiça ou a gravidade de se tornar essa decisão imutável e, assim, negar definitivamente o benefício previdenciário em que pese aquela possibilidade.
É isso o que não expressa a decisão extintiva sem o mérito: não há preclusão do direito previdenciário e, por consequência, a causa previdenciária é julgada em seu mérito segundo as provas dos autos.
É possível afirmar a esta altura que, desde uma perspectiva constitucional, o aplicador do Direito tem o poder/dever de oferecer adequada resposta às exigências de normatividade própria do direito processual previdenciário, reconhecendo como uma de suas manifestações a eficácia relativa da coisa julgada previdenciária.
Ainda que não alcance os termos propostos neste texto por intermédio de suas exatas premissas, o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, culminou por denegar o direito a benefício previdenciário, resguardando, contudo, a possibilidade de novo ajuizamento da demanda:
“Dessa forma, não tendo o requerido produzido nos autos prova da  sua  condição  de  desempregado,  merece  reforma  o  acórdão  recorrido  que afastou  a  perda  da  qualidade  de  segurado  e  julgou  procedente  o  pedido;  sem prejuízo,  contudo,  da  promoção  de  outra  ação  em  que  se  enseje  a  produção  de prova adequada” (STJ, 3a Seção, PET 7.115, unânime, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10/03/2010, DJ 06/04/2010).

A lógica da preservação da vida do hipossuficiente, fundamento do direito material previdenciário, deve inspirar o legislador na elaboração de normas processuais previdenciárias e orientar o juiz na busca de soluções para questões abertas pela insuficiência do processo comum civil vis a vis a singularidade previdenciária.
A lógica da preservação da vida nos leva ao princípio processual da não-preclusão do direito previdenciário. Este, por sua vez, reclama concretização dos princípios constitucionais do devido processo legal e do direito a uma ordem jurídica justa na condução do processo previdenciário, para o efeito de afastar os efeitos plenos da coisa julgada.
Seria até possível resignar-se diante da concretização do devido processo legal na forma adotada pelo processo civil clássico, concluindo pela eficácia imutável da coisa julgada, como o faz acriticamente a orientação dominante. Mas não é viável desconsiderar que tal perspectiva desaguará em um sem número de erros judiciais e injustas decisões que consubstanciam o que se tem por “privação perpétua” de bem-estar, com seus maléficos efeitos sociais.
A ideia da coisa julgada previdenciária se afigura, neste sentido, como perspectiva de segurança jurídica que consubstancia justa aderência do sistema normativo processual à especificidade do direito material e à dinâmica da realidade social[37].
6. Considerações finais
            A superação do formalismo jurídico iniciou-se ainda na metade do século XIX pelo substrato teórico da Jurisprudência dos Interesses (interessenjurispudenz), que tinha em seu germe os fundamentos que inspiraram a virada pragmática de Ihering:
“A vida não é o conceito; os conceitos é que existem por causa da vida. Não é o que a lógica postula que tem de acontecer; o que a vida, o comércio, o sentimento jurídico postulam é que tem de acontecer, seja isso logicamente necessário ou logicamente impossível”[38].

É mesmo necessário reconhecer a existência de uma verdadeira criação judicial do Direito, ainda que no quadro do Direito vigente, criação “cujo reconhecimento é hoje um lugar comum e sem a qual não seria pensável o também universalmente reconhecido direito jurisprudencial (“direito judicial”, Richterrecht), enquanto elemento integrante do sistema de direito vigente e mesmo do próprio positivo corpus iuris”[39].  
Uma vez admitido o caráter único da lide previdenciária, a eficácia normativa dos princípios constitucionais que consagram o devido processo legal e, particularmente, o direito fundamental a uma ordem jurídica justa, exige uma disciplina processual adequada ao bem da vida que se encontra em discussão. Essa processualidade tipicamente previdenciária tem como uma de suas exigências mais flagrantes a acomodação dos efeitos da coisa julgada que se opera em processos que chegam ao seu termo final com a denegação da proteção social por insuficiência de provas.
O presente estudo procurou demonstrar ser inaceitável que uma decisão judicial que rejeita o pedido de proteção previdenciária por insuficiência de provas persista a privar determinada pessoa de direito fundamental indispensável à sua subsistência, mesmo quando, diante de novos elementos probatórios, ela é percebida como injusta ou equivocada.
 Na perspectiva do Estado de Direito, os desafios de ordem prática impostos à administração da justiça não legitimam a denegação do direito à proteção judicial e tampouco servem como fundamentos para a conservadora manutenção de um sistema processual anacrônico e que jamais foi pensado para os direitos sociais.

4 comentários:

  1. Excelente Artigo!

    Dr. Savaris, essa discussão de tratar o processo previdenciário de forma diferenciada é medida que deve ser reconhecida como urgente. Diariamente diversos segurados são prejudicados na esfera judicial, com a improcedência de açoes nos quais não conseguiram comprovar a "verdade real".
    Não é de hoje que eu acompanho as suas palestras e o Doutor sempre ressaltou a importância desta medida.
    Acredito que momento de apresentar esta proposta é agora, ou seja, a proposta de reforma do Processo Civil está em pauta, seria o caso de alertar nossos amigos que estão trabalhando nesta reforma e criar, talvez, no mesmo código, um capítulo especial.

    É urgente incluir o “dever do magistrado em extinguir o feito, quando o segurado não conseguir comprovar o alegado”, para possibilitar a propositura de nova ação, ou também, o dever do magistrado em não encerrar a instrução processual, enquanto o segurado declarar não possuir provas. Explico: Há casos que o segurado não leva testemunhas que conheceram no período que se pretende comprovar, nesta situação, caberia o magistrado dar prosseguimento na instrução e designar outra audiência para ouvir novas testemunhas”
    Seu artigo merece repercussão geral – preocupamos com a urgência, porque todos os dias vemos injustiças em razão do formalismo do código de processo civil que é aplicado do processo previdenciário. O processo civil está desatualizado.
    Tenho visto as propostas de alteração do CPC eu não lembro de ter visto alguma proposta relacionado ao direito previdenciário. Tal fato ocorre porque estamos sem representante do direito previdenciário na confecção do Projeto.
    Savaris, o Brasil dos trabalhadores rurais e de pessoas simples dependentes do INSS, suplica esta mudança do processo previdenciário.
    Atualmente estamos a mercê do entendimento individual dos juízos.
    Eu tenho um caso de aposentadoria por idade rural julgada improcedente e transitado em julgado, no qual o advogado não orientou o segurado das testemunhas que deveria levar na audiência, de modo que as testemunhas não comprovaram o período de carência. O segurado possui diversos registros pequenos de boia-fria na CPTS no período de carência e sempre foi trabalhador rural, porém faltou a prova testemunhal para corroborar o período de carência. É triste!!. Se o juiz fosse mais consciente do processo previdenciário, teria julgado extinto sem julgamento do mérito. Agora o que fazer? Conhecemos seu artigo e a sua doutrina, mas ainda não temos decisões atuais nesse sentido. A coisa julgada material está esbarrando o direito fundamental do segurado. A dúvida é mover a ação judicial alegando relativização da coisa julgada e, sabe-se lá, qual será o posicionamento do juiz. Pode ser atrapalhe ainda mais o segurado caso declare novamente a coisa julgada material. Talvez eu penso em esperar definir mais esse tema. Difícil é para quem milita na área do direito previdenciário e se depara com tais situações.
    Outro alerta de alteração refere-se ao segurado que move ação sem advogado no Juizado Especial Federal, na maioria das situações o mesmo é prejudicado por ser aventurar sozinho sem conseguir entender da documentação pertinente ao direito postulado e, ainda, os atendentes não conhecem a fundo o direito previdenciário para orientarem. Tudo isso culmina, talvez, num improcedência e coisa julgada material.
    Espero que esse artigo chegue nas mãos dos nossos representantes.

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  2. Caro Prof. Savaris, rogo a Deus para que os(as) Megistrados(as) leiam esse excelente artigo. Pondero apenas que, salvo engano, o direito de pedir novamente o benefício previdenciário, na hipótese de surgirem provas novas, não ficará prejudicado. Claro que deve-se pedir novamente o benefício previdenciário ao INSS. Negado o pedido, pode-se buscar amparo judicial. O que podem ficar eventualmente prejudicadas, considerada a imutabilidade da decisão que rejeitou a pretensão (e resolveu o mérito) sob a fundamentação de falta de provas, são as parcelas pretéritas do benefício previdenciário. É isso? Saudações. Att. Rodrigo

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  3. Caríssimos Pedro, Rodrigo e Henor.
    Obrigado pela mensagem e pela participação.
    Rodrigo, o pensamento predominante é o de que, ainda que haja um novo requerimento administrativo, mesmo com novas provas, o direito à proteção previdenciária já teria sido julgado. Encontraria na coisa julgada o óbice. Seria muito fácil contornar a coisa julgada assim. Por isso concordo com o Pedro Nicastro sobre a necessidade de se pensar soluções processuais minimamente adequadas ao direito que se encontra em discussão. Para mim isso é elementar. E ao mesmo tempo vejo com dificuldade a aceitação da tese proposta no artigo.
    Abraços
    Savaris

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